No passado, pesquisadores advertiram que, se não fosse tomada nenhuma providência para corrigir as alterações ambientais provocadas pela construção do Porto de Suape, o mar acabaria avançando sobre praias do litoral sul pernambucano. |
Na época, as advertências foram consideradas "visões românticas de ecólogos sonhadores" e nada se fez. Hoje, a fúria das ondas do mar já chegou às praias de Piedade e Boa Viagem, depois de passar pela de Suape, enquanto as autoridades correm em busca de projetos para a construção de diques protetores.
Veja, aqui, o que a imprensa publicou, no passado, sobre a possibilidade (agora um fato) de o mar arrebentar trechos do litoral sul do Estado. E mais: a história do avanço do mar em Olinda, que teria como causa a construção do Porto do Recife e que também gerou grandes polêmicas.
:: A FOME DAS ÁGUAS EM SUAPE
Reportagem Marcos Cirano, revista Visão, SP, 13/11/1985
Como
acontece em Olinda desde o princípio do século, o mar começa a
avançar no litoral sul de Pernambuco, destruindo o que encontra pela
frente. Agora quem está sofrendo os primeiros efeitos da fúria da maré
é a Praia de Suape, no município do Cabo, Região Metropolitana, a 58
km do Recife. |
Ali, ao contrário de Olinda, o problema é novo, começou há seis anos, segundo o pescador João Sebastião de Santana, de 84 anos, que já teve de recuar sua casa duas vezes, "pro mar não levar tudo".
Por enquanto, os únicos prejudicados são os 150 pescadores que vivem na região, em pequenas casas construídas ao longo da praia. Mas, segundo Luiz Lira, professor de Geologia Marinha da Universidade Federal Rural de Pernambuco, o problema pode agravar-se, caso nenhuma providência seja tomada. Para ele, a tendência da erosão é atingir outras praias próximas a Suape, podendo chegar, no futuro, às praias do Recife, como Boa Viagem. "Isso, afirma, seria um desastre que, se quisermos, poderemos evitar hoje".
Para Luiz Lira, o avanço do mar em Suape é provocado pela construção do Complexo Industrial Portuário de Suape, que o governo de Pernambuco vem executando ali desde 1975. Uma série de obras já prontas, como o molhe do porto, o aterro de mangues e o aterro de dois rios que desaguavam na área do complexo, provocou profundas mudanças no meio ambiente, causando a erosão. "E tudo foi feito sem que fossem programadas medidas para evitar o possível assoreamento do porto", diz o geólogo.
Como o problema está apenas no início, Luiz Lira afirma existirem várias medidas que poderão amenizar as conseqüências da violência do mar. Uma delas seria a construção de arrecifes submersos, paralelos à linha de arrecifes naturais existentes na praia. Também os rios Ipojuca e Tatuoca, que foram bloqueados, poderiam ser reabertos, sem prejuízos para as obras do complexo, o que proporcionaria o fluxo e refluxo das marés, diminuindo bastante a fúria das ondas sobre a costa.
Hermano de Lima Barbosa, chefe do Departamento de Engenharia do Complexo Portuário de Suape, no qual o governo de Pernambuco já investiu 110 milhões de dólares, nega que o avanço do mar seja provocado pelas obras. Para ele, o avanço do mar "é natural e as obras do porto protegem mais a praia". Na opinião de Luís de Sá Monteiro, Secretário de Indústria e Comércio de Pernambuco, não passa de "visão romântica de ecólogos sonhadores" querer atribuir ao complexo portuário o que vem ocorrendo em Suape. Monteiro reconhece, porém, que as obras provocaram "algumas mudanças"no meio ambiente da região.
Enquanto técnicos discutem, os pescadores sofrem as conseqüências. Valfrido Marques Epifânio, nascido em Suape há 53 anos, diz que, quando a maré sobe, "a água entra por uma porta, a da frente, e sai por outra, a de trás". Ele acredita que "tudo deve ter por motivo esse porto que estão fazendo". Valfrido já recuou, ano passado, sua casa, que atualmente ele tenta proteger com um dique de troncos de coqueiro. Outro pescador, Fernando Dantas da Silva, enfrenta o mesmo problema.
O complexo industrial portuário, quando pronto, terá um espaço acostável de 14 km, possibilitando operação de superpetroleiros, e uma área de 130 quilômetros quadrados para abrigar indústrias. Sua instalação na Praia de Suape foi escolhida por ser o local mais próximo das rotas comerciais para outros continentes. Atualmente, apenas 10% das obras previstas estão concluídas. O pescador Fernando Dantas da Silva diz saber que o porto "faz bem à nação" e deve ser construído. Ele só gostaria de pedir "aos doutores que dirigem o país" que continuem as obras "sem destruir minha casinha". Coisa que, segundo o geólogo Luiz Lira, é perfeitamente possível.
:: OLINDA: POR QUE AS ÁGUAS TÊM AVANÇADO SOBRE A CIDADE?
Reportagem Marcos Cirano, revista Visão, SP, 22/04/85
Os primeiros estragos causados pelo mar à cidade datam de 1925, quando quarteirões inteiros dos bairros dos Milagres, Farol, Carmo e São Francisco foram tragados pela fúria da maré. Desde então, basta a maré subir um pouco mais para que os habitantes de Olinda fiquem assustados. |
A situação é tão grave que os chamados "terrenos de marinha" (sob a jurisdição do Ministério da Marinha) já não existem em diversos trechos da cidade. Com os constantes avanços do mar, essa faixa foi invadida e hoje se encontra sob as águas, a uns 500 metros da praia.
Na década de 50, metade da antiga Avenida José Soriano -hoje inexistente-, no bairro do Carmo, foi completamente tragada num curto período de seis meses. E desde então tem sido sempre assim: o mar derruba uma casa ali, avança e destrói outra mais adiante. Para impedir esse avanço do mar sobre Olinda, o primeiro passo, embora tímido, foi dado em 1956. O Governo Juscelino Kubitschek começou a pensar na instalação de um cais semi-submerso e encomendou um estudo ao laboratório francês da Societé Grenobloise d'Etudes et Applications Hydrauliques.
Iniciada, essa tentativa de amenizar o avanço do mar sobre as ruas e avenidas da cidade prosseguiria lentamente e logo se tornaria interminável - até hoje estão sendo realizadas as obras. Mas, sempre que um bairro é protegido por imensos diques de pedra, o mar desvia suas águas sobre o bairro seguinte. Os diques, hoje, já alcançam a divisa de Olinda com o vizinho município de Paulista e ninguém sabe quando e onde as obras vão parar. A população já está acostumada com os transtornos, o que poucos sabem explicar, inclusive o prefeito da cidade, é a razão da violência das águas e por que teve início da década de 20.
As informações inexistem, embora a obra "Porto de Pernambuco: o Molhe de Olinda", do engenheiro Domingos de Sá Ferraz, editada em 1914, já alertasse que a construção do porto do Recife poderia desviar, com violência, as águas do mar sobre Olinda. Construído para proteger o porto dos ventos, o molhe era prejudicial porque alterava o fluxo das correntes e das areias por elas arrastadas, imprimindo velocidade exagerada a essas correntes. Na época em que fez essas primeiras colocações sobre uma das possíveis causas que viriam, no futuro, jogar o mar contra Olinda, o engenheiro foi duramente criticado.
Atualmente, porém, já se reconhece que Domingos Ferraz tinha razão. O engenheiro civil José Guerreiro Júnior, professor da Universidade Federal de Pernambuco e que já trabalhou durante 25 anos no Porto do Recife, diz que Ferraz estava certo em parte: ele concorda em que a construção do Porto do Recife contribuiu para que o mar viesse a jogar-se com violência sobre os bairros de Olinda, embora afirme que o problema não se limita à construção do molhe.
De acordo com Guerreiro Júnior, o molhe provocou realmente alterações nas correntes costeiras e, além disso, não conseguiu seu objetivo, que era evitar a penetração de areia e ondas altas na entrada do porto. Mas o engenheiro faz questão de ressaltar que a causa da violência do mar de Olinda não foi apenas a construção do molhe, projetado em 1913 com técnicas consideradas corretas para a época. Ele garante que o molhe apenas retém a areia vinda do sul, que era o que alimentada a praia. E explica:
"Como os rios de Olinda (Beberibe e Doce) praticamente não têm descarga sólida (de areia e outros materiais) para alimentar a praia, quando a maré vem as ondas engolem tudo. Some-se a esses fatores uma agravante: as ondas do mar de Olinda quebram ligeiramente inclinadas. A esses três motivos é que se deve creditar a violência do mar olindense", argumenta o professor.
Gerson Teixeira, também engenheiro e professor da Universidade Federal de Pernambuco, tem a mesma opinião de Guerreiro. Afirma que o que ocorre em Olinda é um fenômeno natural: as marés altas existem em todo o mundo e isso não significa que devam, sempre, causar os mesmos problemas. Pelo menos, explica, desde que haja um equilíbrio natural: quando o próprio mar repõe a areia e também os rios têm boas descargas de realimentação das praias, o avanço do mar não se torna ameaçador.
Para Gerson Teixeira, a única forma conhecida e eficiente de evitar os estragos do mar é o que se vem fazendo: a construção de quebra-mar, obra que tem de ser feita até que o mar encontre um ponto de equilíbrio, de realimentação natural da areia da praia, que tanto pode ser no vizinho município de Paulista quanto a milhares de quilômetros dali. Para cada quilômetro de cais, são necessárias 100 mil toneladas de pedras. Por esse alto custo é que a construção dos diques protetores das praias geralmente demora anos.
Fonte: http://www.pe-az.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=336:avanco-do-mar&catid=45:fenomenos-naturais&Itemid=105
Nenhum comentário:
Postar um comentário